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Troca de comando na Petrobras: Bolsonaro repete interferĂȘncia de Dilma na estatal?

 



As açÔes da Petrobras derreteram depois que o presidente Jair Bolsonaro decidiu mudar o comando da empresa. Na noite de sexta-feira (19/02), Bolsonaro anunciou o general da reserva Joaquim Silva e Luna para substituir o atual presidente da estatal, Roberto Castello Branco, economista liberal e nome de confiança do ministro da Economia, Paulo Guedes.

As açÔes preferenciais da estatal fecharam com queda de 21,5%, a R$ 21,45 nesta segunda-feira (22/02), apĂłs jĂĄ terem recuado na sexta. Com isso, a perda de valor da empresa nos dois Ășltimos pregĂ”es da Bolsa de Valores chegou a R$ 102,5 bilhĂ”es.

Por trĂĄs da troca estĂĄ a insatisfação do presidente da RepĂșblica com os recentes reajustes no preço da gasolina e do diesel, algo que bate direto no bolso de muitos brasileiros, impactando a popularidade do governo. Com os novos reajustes na semana passada, o preço da gasolina vendida nas refinarias pela Petrobras jĂĄ subiu neste ano 34,78%, e o diesel, 27,72%.

A decisĂŁo levou economistas e polĂ­ticos a comparar Bolsonaro Ă  ex-presidente Dilma Rousseff, que durante seu governo impediu reajustes nos preços dos combustĂ­veis, de olho no controle da inflação, e causou perdas bilionĂĄrias Ă  Petrobras.

"A troca do presidente da Petrobras indica somente uma coisa: vão controlar o preço dos combustíveis na canetada. Vimos esse filme recentemente com a Dilma. O final a gente lembra: quebradeira na estatal", criticou no Twitter o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos líderes dos protestos pelo impeachment da petista em 2016.

E como aconteceu na era Dilma, essa tentativa de Bolsonaro de conter a alta dos combustĂ­veis pode ter o efeito oposto daquele desejado pelo presidente. Ao invĂ©s de resultar em queda da inflação, a medida pode levar a uma aceleração dos preços, devido Ă  desvalorização do real frente ao dĂłlar, como resultado do aumento da incerteza.

Nesta segunda-feira, a expectativa do mercado para o IPCA (o índice de preços do IBGE) em 2021 subiu de 3,62%, na semana passada, para 3,82%. Com isso, o índice oficial de inflação fecharia o ano acima do centro da meta, que é de 3,75% para este ano.

Até mesmo ex-integrantes do governo fizeram a crítica: "Nunca o governo Bolsonaro foi tão parecido com o governo Dilma como hoje", postou também Paulo Uebel, ex-Secretårio Especial de Desburocratização do governo Bolsonaro.

Entenda melhor a seguir em trĂȘs pontos por que a polĂ­tica de combustĂ­veis gera forte desgaste entre PalĂĄcio do Planalto e Petrobras hĂĄ vĂĄrios governos e como as polĂ­ticas de combustĂ­vel de Bolsonaro e Dilma se aproximam ou nĂŁo.


1) Por que a interferĂȘncia nos combustĂ­veis gera tanta crĂ­tica?

O preço dos combustíveis tem impacto direto na inflação, jå que boa parte do transporte de carga no Brasil é feito por rodovias. Ou seja, quando o diesel fica mais caro, por exemplo, o custo do frete também aumenta e isso é repassado para o consumidor final.

AlĂ©m disso, o aumento do combustĂ­vel tambĂ©m impacta o preço do transporte pĂșblico, como ĂŽnibus, e pesa no bolso dos brasileiros que usam carro ou moto para se locomover.

Por isso, o governo federal é pressionado por caminhoneiros e pela população em geral a agir contra o aumento do preço dos combustíveis.

O problema é que os preços dos combustíveis vendidos pela Petrobras são impactados pela cotação internacional do petróleo e pela cotação do dólar, jå que a estatal exporta parte do óleo bruto que extrai no Brasil e importa combustível refinado. Quando a empresa não repassa as oscilaçÔes da cotação de petróleo e da taxa de cùmbio para o preço dos combustíveis, ela acaba tendo prejuízo.

Quem defende que a estatal deve controlar os preços argumenta que a empresa Ă© pĂșblica e deve estar a serviço dos brasileiros. JĂĄ os que defendem uma polĂ­tica de preços livres ressaltam que a empresa tem capital aberto — ou seja, embora o Estado brasileiro seja o maior acionista, hĂĄ tambĂ©m investimento privado na estatal.

Além disso, esse grupo argumenta que deixar a estatal no prejuízo vai afetar a sustentabilidade da empresa no longo prazo, limitando sua capacidade de investimento, algo que seria negativo para todos os brasileiros.

Nesse contexto, intervençÔes na Petrobras tendem a influenciar a cotação do dólar ao aumentarem as incertezas sobre a economia (e a política econÎmica) do país, numa espécie de efeito cascata, inclusive afetando os mais pobres.

E essa taxa de cĂąmbio influencia o preço de todas as commodities, incluindo os alimentos vendidos no Brasil. Pesa ainda sobre os custos da indĂșstria, que acabam sendo repassados ao consumidor ou prejudicando a saĂșde financeira das empresas.

A piora na percepção de risco no paĂ­s tambĂ©m tende a travar os investimentos das companhias tende a travar os investimentos das companhias, levando a uma redução das expectativas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. E, com a piora do quadro inflacionĂĄrio, o Banco Central pode ser levado a antecipar a alta da taxa bĂĄsica de juros (Selic), o que afetaria tambĂ©m as perspectivas para o desempenho da atividade econĂŽmica em 2022.


2) Dilma tentou usar Petrobras para segurar inflação no país

O governo Dilma Rousseff foi marcado por inflação alta — no seu primeiro mandato o IPCA, Ă­ndice de preços do IBGE, teve mĂ©dia anual de 6,17%, acima do centro da meta de inflação do Banco Central, que era de 4,5%.

JĂĄ em 2015, Ășltimo ano antes do seu impeachment, a inflação bateu 10,67%.

Foi nesse contexto que seu governo intensificou o controle de preços da Petrobras, impedindo que as oscilaçÔes do mercado internacional fossem repassadas ao mercado interno e pressionassem ainda mais a inflação.

Segundo cålculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), as perdas acumuladas pela Petrobras entre 2011 e 2014 (primeiro mandato de Dilma) por causa dessa política de preços superaram R$ 70 bilhÔes.

Com o impeachment da petista, o novo presidente, Michel Temer, adotou uma política bastante diferente, permitindo repasses diårios da oscilação do mercado internacional para os preços dos combustíveis no mercado interno.

Isso contribuiu para que a estatal se recuperasse financeiramente, mas culminou em uma forte greve de caminhoneiros em maio de 2018, que afetou o desempenho da economia naquele ano. Além de protestar contra os aumentos, a categoria reclamava que os reajustes diårios impediam a previsibilidade do custo do frete.

Para evitar novas paralisaçÔes, o governo estabeleceu temporariamente subsídios no preço dos combustíveis para os caminhoneiros.


3) Como tem sido a política de preços no governo Bolsonaro?

O presidente foi eleito em 2018 com a promessa de uma gestĂŁo bastante liberal na economia, em que o ministro Paulo Guedes teria grande autonomia para conduzir a polĂ­tica econĂŽmica.

Isso incluĂ­a manter a prĂĄtica do governo Temer de permitir que a Petrobras reajustasse os combustĂ­veis sempre que necessĂĄrio para manter a lucratividade da empresa.

No entanto, jå em abril de 2019, poucos meses após Bolsonaro assumir o cargo, ele ligou para o presidente da estatal, Castello Branco, para vetar novo reajuste no preço do diesel. Isso fez os papéis da empresa recuarem mais 8% em um dia, o que significou uma perda de R$ 32 bilhÔes no valor de mercado da estatal.

Com a repercussão negativa, logo depois o preço do diesel foi reajustado, mas em percentual um pouco abaixo do anunciado pela empresa inicialmente. Para agradar os caminhoneiros, o governo na ocasião anunciou uma linha de crédito para a categoria e investimentos para melhorar rodovias.

Agora, a decisão do governo de trocar o comando da estatal vem em um novo momento de alta acentuada no preço dos combustíveis.

Bolsonaro tem respondido Ă s crĂ­ticas Ă  mudança na presidĂȘncia da Petrobras lembrando que ele tem a prerrogativa de indicar o comando da empresa, jĂĄ que a UniĂŁo Ă© o maior acionista.

"Dia 20 de março encerra o prazo da vigĂȘncia do atual presidente (da Petrobras). É direito meu reconduzi-lo ou nĂŁo. Ele nĂŁo serĂĄ reconduzido. Qual o problema? É sinal de que alguns do mercado financeiro estĂŁo muito felizes com a polĂ­tica que sĂł tem um viĂ©s na Petrobras, atender aos interesses prĂłprios de alguns grupos do Brasil, nada mais alĂ©m disso", disse o presidente a apoiadores nesta segunda-feira (22/02).

Ele tambĂ©m negou que esteja interferindo nos preços da estatal e disse que sua exigĂȘncia Ă© por "transparĂȘncia e previsibilidade" nos preços.

O especialista no setor de petróleo, David Zylbersztajn, professor da PUC-Rio, considera que ainda é cedo para dizer que Bolsonaro "dilmou" no comando da estatal, jå que realmente não houve até o momento uma represamento no repasse da variação internacional para os preços domésticos.

Ele ressalta, porém, o efeito negativo das falas do presidente, que tem constantemente criticado os reajustes da estatal. Isso, afirma Zylbersztajn, gera uma expectativa no mercado de que haverå uma mudança na política de preços.

Segundo o professor da PUC-Rio, a forma como o presidente estå conduzindo a questão também deve impactar negativamente os investimentos em refino de petróleo no Brasil.

Desde de o governo Temer, a Petrobras tem um plano de venda de refinarias, para focar seus investimentos em extração de petróleo no pré-sal. A gestão Castello Branco tem dado andamento a esse processo, por considerar que as refinarias criadas nos governos PT foram um investimento ruim para a estatal.

A perspectiva de que a Petrobras possa voltar a subsidiar os preços, porĂ©m, deixarĂĄ investidores preocupados com a concorrĂȘncia no mercado de combustĂ­veis, diz Zylbersztajn.

"Quem vai entrar com dinheiro para comprar uma refinaria, que Ă© um investimento altĂ­ssimo, nĂŁo pode correr riscos de amanhĂŁ vocĂȘ mudar a polĂ­tica de preços", ressalta.

Fonte: BBC News

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